sábado, 21 de agosto de 2010

Testemunho do Bispo Missionário, de Lichinga

É simplesmente um testemunho de um Bispo que tenta levar a Palavra mais além, além das suas possibilidades, onde possa existir apenas um cristão!



É em terras moçambicanas que é Pastor de uma Igreja com fracas possibilidades mas com uma vontade enorme de ser Igreja!

Um bispo na "sua"  Visita Pastoral às comunidades cristãs, muçulmanas, anglicanos e muitos curiosos.

O bispo aqui é o bispo de todos.

À chegada encontro à minha frente uma grande comunidade muçulmana, o sacerdote da comunidade anglicana, o seu bispo encontra-se em Maputo!

Venho para ver, observar, viver a comunhão que existe entre as religiões no Niassa em Moçambique.

Eu durmo lá numa casinha reservada para o bispo.

Não existe electricidade, nem linha telefónica, não existe computador nem internet, não há nenhum escritório administrativo, posto policial, nem escola.
Não há água canalizada, (vou buscar água a um furo feito na terra) . Dentro de casa existe um armário de palha e algumas folhas!
 Silêncio total durante a noite.
 A casa do bispo está dentro de uma cerca onde mora famílias cristãs que hospedam, preparam um jantar com legumes, polenta de milho ou mapira, alguns pedaços de frango ou peixe ou pequenos animais que apanham para servir de comida para os hóspedes!
 Depois do jantar eu rezo o terço com eles e faço um pequeno pensamento de boa noite.
Vou para a minha casinha, acendo duas velas e tento escrever algo sobre minha vida hoje.
 Nesta casa tem uma  mesa de bambu, uma cadeira de bambu, uma cama de bambu, um colchão de algodão feito por eles. Eles sabem que o seu bispo escreve e reza e vai para a cama.
Eles, os homens mais idosos dormem na sua esteira perto da varanda e fazem de guarda toda a noite porque não há muito silêncio. Partilho um pouco de tabaco para perfumar e cheirar!

Nasceram aqui, vivem aqui e morrem aqui.

De manhã colocam na porta uma grande tigela de água quente para fazer a minha limpeza (casa de banho, barba, WC).

Partimos para uma comunidade que fica a trinta quilómetros!
Aquela comunidade nunca vira o bispo. Eu apresentei-me com os meus paramentos e roupas solenes; muitos olhos arregalados. Um estranho branco. Mas estou feliz de estar lá para ouvir, ver e sentir.
Todos maravilhosamente atentos, em silêncio, calmos, envoltos em oração (embora alguns sejam pagãos imitam tudo o que fazem os cristãos) Isso é bom. Começamos às oito horas da manhã, e agora são 12:40.
Vamos para almoço preparado pela comunidade.

Eu olho para cima e vejo uma mãe carregando uma trouxa nos braços: dentro está o seu filho de 5 anos: um esqueleto de ossos, dois olhos desproporcionais, leves movimentos dos braços. Ainda se agarra ao ventre de sua mãe.. O leite da mãe reservado para seu filho de quatro meses que leva ligada às costas na parte traseira, serve também para o de 5 anos.
Vemos que há um desejo louco de viver. Eu pego em meus braços, pesa cerca de sete quilos. Mãe e filho estão na missão, a Irmã os acolhe e começa a recuperação. A Irmã trabalha no Centro de Nutrição da missão. É brasileira e faz o que pode: ensina a usar ervas que ela conhece, o açúcar, alimentos para bebés, tonificação: tanto para a criança como para a mãe por conversas prepara-a para o pior.

Passados dois meses, faço uma avaliação das minhas viagens. A minha diocese é tão grande quanto quase metade da toda a Itália!
Diocese de Lichinga, rica pelo Lago Niassa, brilhante beleza de Deus criador. O segundo maior lago de África!
 Possuí também a maior reserva de caça em Moçambique: 60 mil quilómetros quadrados!
Os elefantes, inimigos do povo, destroem as suas casas, comem o pouco que o povo cultiva, a gente foge e procura outra terra para poder recomeçar e sobreviver!

Os macacos jogam futebol com os miúdos! Eu não podia acreditar, mas eu vi diante dos meus olhos.
Num quintal, com uma porta feita de varas de bambu, os macacos desobedientes e arrogantes, apanham a bola com a mão e depositam-na na baliza. Golo!
 Eles dançavam, os infelizes, em frente aos miúdos a quem eu já me tinha afeiçoado. Entre eles, vejo um menino ainda frágil, mas inteligente, esvoaçante e por detrás se aproxima de mim, eu dou a minha mão e ele beija o anel e foge.
Quem era, perguntei eu. "Lembra-se do saco de ossos que mamou nos seios de sua mãe há dois meses?".
Incrível! Jogava futebol descalço com os macacos e reconheceu-me! O amor da Irmã, os  medicamentos e as ervas tinham lhe restituído a vida!
Ela é pioneira da minha escolha para a fundação de um “Centro de Alimentação" para os casos sem esperança. Ela já lá está há 14 anos. Estão as Irmãs e algumas voluntárias (sempre mulheres!) que trazem à vida. Uma nova ressurreição. Uma vida que vale a pena em todo o mundo.
É sempre a mulher, dedicada, voluntária, forte, que dá a vida.
A descoberta que foi fazendo ao longo da minha experiência de quarenta anos de África é a certeza de que a mulher vai salvar a África.
Os homens, certamente não!

O futuro de África é a mulher: feminista sem degradar, sem conferências desnecessárias a nível continental: a mulher deve aplicar a sua maneira de ser mulher, mãe e esposa.
Tenho na minha mesa uma fotografia de uma mulher amamentando seu bebé de um lado, e do outro lado um macaco bebé abandonado pela sua mãe!
Somente as pessoas pobres vivem com tanta generosidade! Desgraçado o ser humano que não sabe ser sempre assim "É somente quem é verdadeiramente rico (de Amor e de sentimentos) faz isto!
Perfeita imagem de Cristo que é oferecida a todos por tudo!

Volto para casa e agora visito as crianças da "Casa do Sorriso" para crianças de 3 aos 6 anos antes de escolaridade obrigatória.
As crianças daquele bairro são umas cinquenta. Alguns dias são setenta / oitenta.
Trago o resultado de uma visita pastoral, um porco, alguns sacos de farinha, dois grandes sacos de arroz e dez galinhas!

Tenho de pedir ajuda para levar as coisas!
Eles são os filhos de um dos 19 lugares "Ângulos de solidariedade" da diocese espalhados em vários lugares, todos os formadores são voluntários, algumas mães se revezam porque seus filhos estão lá. Tudo está sob controlo. Eles se auto financiam também para participar.

África, mãe fecunda e bela. Há tanta beleza que escondes e que ninguém conhece, mas podes ser exemplos de "países desenvolvidos", onde tudo é feito ao abrigo da regra de dinheiro, "o que me auto-interessa”, o egoísmo e a arrogância do poder.

A vida ensina-me a ser humilde e atencioso para com os pobres, que "inventa" o futuro.
Eu sei que vocês entendem-me!

Saúdo e abençoo como bispo "Participante" sempre.

+Élio Greselin, Bispo de Lichinga

Moçambique